A contracultura do comprometimento. CP#61
É dentro da zona de conforto que a mágica acontece
Nesta edição:
I. Cultive sua zona de conforto.
II. Obsessão positiva.
III. “Modo de Navegação Infinita”
IV. Conecta Links.
Retomamos. Antes de tudo, obrigado pela compreensão com essa pausa e pelas mudanças.
A Conectando Pontos passou (e ainda está passando) por ajustes, o que representa mudanças em termos de identidade visual, layout, novas funcionalidades, novas seções — e um novo endereço de remetente (se ele cair no spam ou na aba de promoções, por favor, informe a sua caixa de entrada que ele é um conteúdo bem-vindo).
A mudança de plataforma foi algo comentado na última edição e aproveitei para dar uma repaginada em tudo. A busca pelo refinamento da minha e da sua atenção e pelo equilíbrio entre profundidade e quantidade de conteúdo é constante e desafiadora, sigo tentando aprimorar.
Agora na Substack, ficou mais fácil ler as edições passadas, comentar e participar ativamente do debate. Cada edição que você recebe por e-mail vira também um post, onde é possível curtir e comentar. Assim, as suas edições favoritas ganham destaque, e todo mundo pode aprender e trocar entre si..
A edição de hoje é um pouco sobre essa retomada. Sobre a dificuldade de parar e voltar. Sobre a importância de mantermos a roda girando, com consistência e paciência (e um pouco de paranoia), dia após dia.
I. Cultive sua zona de conforto.
“Nós somos aquilo que fazemos repetidamente. Excelência, então, não é um modo de agir, mas um hábito.” ~ Will Durant
“A vida começa quando termina sua zona de conforto.” Assim inicia um dos incontáveis artigos que disseminam a ideia de que é fora da zona de conforto que as coisas acontecem.
A vida pode até “começar” fora dessa zona, mas é dentro dela que as coisas evoluem e dão frutos.
O Startup da Real, que não canso de compartilhar aqui, já abordou o tema tempos atrás:
“Sair do lugar calmo onde você não se expõe demais é importante para conhecer novas ideias, criar novos pontos de vista e amadurecer. Mas não é ai, fora da zona de conforto, que as coisas acontecem.
As coisas acontecem quando você inevitavelmente precisa se posicionar novamente num lugar confortável, um ambiente tranquilo para desenvolver o trabalho sem que o excesso de ruído do mundo e confusão de não saber o que está acontecendo te atrapalhem constantemente.
O grande inimigo da maioria dos projetos, seja desenvolvendo negócios ou iniciativas pessoais, é não conseguir se manter consistente no que precisa ser feito. É não aceitar que é preciso abraçar essa zona de conforto com força, fazendo todos os dias as mesmas coisas e sem a agitação que vemos nos filmes.”
A romantização da ideia do “saia da sua zona de conforto” (e essa cultura que nos impõe uma produtividade a qualquer custo e uma perseguição desenfreada por acompanhar as novas tendências), acaba matando o que existe de mais importante na construção de qualquer coisa: paciência e consistência.
Outro artigo achado no Google sobre o tema fala que, “na psicologia, a melhor definição para a zona de conforto é a repetição de padrões e comportamentos” e que “em outras palavras, a zona de conforto nos coloca em uma bolha na qual estamos protegidos do desconhecido e incomum.”
O termo bolha ganhou uma conotação ruim, mas é seguindo padrões e comportamentos dentro dela que fazemos acontecer. A bolha é nossa zona de conforto. E ficar obcecado por ela foi o que precisei fazer para retomar aqui.
II. Obsessão Positiva.
“Talento é barato — você tem que ser obcecado, caso contrário, você vai desistir.” ~ John Baldessari
Em Rápido e Devagar, Daniel Kanheman trouxe duas equações sobre sucesso:
Sucesso = Talento + Sorte
Muito Sucesso = Um pouco mais de talento + Muito mais sorte
Há quem diga que a doutrina do acaso é a bíblia dos tolos. Eu acredito na importância de reconhecer e refletir sobre o papel e o peso dessas variáveis pelo caminho. Mas talento e, principalmente sorte, são atributos difíceis de controlar.
O James Clear aborda o tema mencionando uma outra variável — mais fácil de ser identificada. Para Clear, existem duas maneiras para a conquista de grandes feitos:
Ter sorte. Ou ser obcecado.
“A maioria das pessoas precisa de alguma combinação de ambos. No entanto, apenas um desses fatores está sob seu controle. Trabalhe duro, mantenha o foco e deixe as fichas caírem onde for possível.”
Se as coisas acontecem mesmo é na zona de conforto e se essa é uma zona muitas vezes pra lá de tediosa, só uma boa dose de persistência para nos mantermos ali, focados e trabalhando duro.
E a persistência é muito mais fácil quando há a variável obsessão por trás. O Austin Kleon fala em obsessão positiva, mais um conceito que me pegou e que mostra como essa é uma variável importante para se prestar atenção.
“Então, de alguma forma, a pergunta a se fazer não é apenas o que você quer ou precisa fazer, mas o que você não consegue parar de fazer ou não consegue parar de pensar. Essa é a sua obsessão.”
“A obsessão é uma coisa viva. Uma espécie de besta. Quando você encontra uma obsessão positiva, uma obsessão que parece que pode levá-lo a algum lugar bom, você continua a alimentá-la e monta a besta até que ela esteja morta.”
Paciência e consistência. Disciplina e persistência. A obsessão positiva é a variável que alimenta esses atributos que tanto demanda a bolha de nossa zona de conforto.
III. “Modo de Navegação Infinita”.
É bem provável que você já tenha passado por isso. Tarde da noite e você navega pela Netflix procurando algo para assistir. Percorre diferentes títulos — até lê algumas críticas — mas simplesmente não consegue se comprometer a escolher nenhum filme.
De repente, 30 minutos se passaram e você ainda está preso no modo de navegação infinita, então desiste — cansado demais para assistir qualquer coisa e adormece.
Esse “modo de navegação infinita” (infinite browsing mode), apresentado pelo Pete Davis nesse discurso é, talvez, o oposto da obsessão positiva. (e confesso me reconhecer um grande adepto desse modo)
O Davis cita Zygmunt Bauman e o que este chamou de “modernidade líquida” — nossa falta de comprometimento com qualquer identidade, lugar ou comunidade, nos permanecendo como líquido, em um estado que pode se adaptar a qualquer formato de futuro — para mostrar que esse estado de “modernidade líquida é o modo de navegação infinita…mas para tudo em nossas vidas”.
É uma característica reveladora de nossa geração: manter as portas sempre abertas.
É essa contracultura do comprometimento que está impregnada nessa ideia de que devemos sempre buscar sair da nossa zona de conforto para fazer as coisas acontecerem.
“Eu descobri no meu tempo aqui que as pessoas que mais me inspiram são aquelas que deixaram o corredor, fecharam a porta atrás de si e se estabeleceram. É Fred Rogers gravando o episódio 895 de ‘Mr. Rogers’ Neighborhood’ porque ele estava empenhado em promover um modelo humano de televisão infantil. É Dorothy Day sentada com as mesmas pessoas, noite após noite após noite porque era importante que alguém se comprometesse com elas. Não é apenas o Martin Luther King que confrontou as mangueiras de incêndio em 1963, mas o Martin Luther King que comandou a milésima entediante reunião de planejamento em 1967.
Quando Hollywood conta histórias de coragem, elas geralmente assumem a forma de “matar o dragão” — é tudo sobre os grandes e corajosos momentos. Mas tenho aprendido com esses heróis que os dragões mais ameaçadores que atrapalham a reforma do sistema ou a reparação da fratura são o tédio diário, a distração e a incerteza que podem corroer nossa capacidade de nos comprometermos com qualquer coisa para o longo prazo.”
É ótimo ter opções quando perdemos o interesse por algo, mas quanto mais fazemos isso, menos satisfeito ficamos com qualquer opção. É importante se comprometer e se manter no jogo por tempo suficiente.
Todo o trabalho aqui na Conectando depende da minha rotina como curador e editor. Graças a notícias pessoais (positivas, vale frisar) inesperadas (e por motivos de Brasil, é claro), essa rotina foi pro espaço.
A obsessão e a empolgação com os ajustes e as novidades por aqui, logo deram lugar a navegação sem rumo.
É fácil se entregar a esse modo. É tentador usar a história da zona de conforto para desapegar e ir atrás de algo novo. Mas a porta dessa iniciativa aqui se recusa a fechar.
Me apego, então, as reflexões acima para afinar de novo a rotina. Voltar para bolha. Para verdadeira zona onde a mágica acontece.
“Podemos ter vindo aqui para ajudar a manter nossas opções em aberto, mas saio acreditando que o ato mais radical que podemos tomar é nos comprometermos com uma coisa em particular, um lugar, uma profissão, uma causa, uma comunidade, a uma pessoa, para mostrar nosso amor por alguma coisa trabalhando nisso por muito tempo, e para fechar portas e renunciar a opções por ela.”
Chega uma hora que é preciso escolher um maldito filme e assisti-lo até o final.
Seguimos conectados.
🔗 Conecta Links
◾ O equilíbrio entre comprometimento e opcionalidade.
Em um nível muito básico, opcionalidade significa ter muitas opções em aberto. É um conceito atraente, foi popularizado por Nassim N. Taleb em “Antifrágil”, e faz muito sentido em vários contextos. Procurar aprender e desenvolver habilidades fora de sua atividade profissional regular, por exemplo, é uma maneira de criar opcionalidade — que tem por objetivo aumentar nossas possibilidades e consequente chances de acertos em um mundo cada vez mais difícil de prever. Mas como eliminar a contradição entre otimizar essa opcionalidade e a necessidade de focar e se comprometer com algo no longo prazo? No link acima há a tentativa interessante de traçar esse plano.
◾ O problema da opcionalidade.
O problema é ela ter se tornado um mantra no qual a geração de hoje persegue como um fim em si mesmo, gerando um medo do compromisso. Quando você se vê como um bilhete de loteria, você tende a nunca realmente se comprometer com nada porque isso pode fechar portas e reduzir sua quantidade de opções. Cada vez mais penso sobre quando é e quando não é útil pensar tudo em termos de opções. O link acima e o artigo “Optionality is for Innumerate Cowards” me ajudaram a refletir sobre a questão.
◾◾ Fazer algo significativo implica desistir de alguma opcionalidade. Comprar uma casa, casar, ter filhos, gastar dinheiro — tudo reduz a opcionalidade, mas tudo vale a pena. Uma busca incessante por opcionalidade resulta em adiar tudo para um futuro que pode nunca acontecer.
◾◾◾ Em “Estou apenas navegando”, Seth Godin é certeiro como de costume: “Quando adotamos a postura de comprometimento, algo extraordinário acontece: as lições ficam mais profundas e úteis. As perguntas feitas ficam mais específicas e urgentes. As conexões feitas ficam mais profundas.”
Uma das TED Talks que mais prenderam minha atenção (na época que assistia TED Talks) foi essa do economista e psicólogo Barry Schwartz, onde ele analisa como somos paralisados pela constante tomada de decisão, defende que a maioria de nós estaria melhor se tivesse menos opções e sugere ideias para aliviar esse fardo psicológico. “À medida que a variedade de escolhas aumenta, como tem acontecido em nossa cultura de consumo, a autonomia, o controle e a libertação que essa variedade traz são poderosos e positivos. (…) À medida que a quantidade de escolhas cresce, seus aspectos negativos aumentam gradativamente até nos sufocar. ”Seu livro, de mesmo nome, já tem seus quase vinte anos mas percebe-se que envelheceu bem.
◾ A maioria de nós pensa que a sorte simplesmente acontece (ou não).
Com a sorte presente em tantas equações, e ainda que continue achando uma variável total incontrolável, essa dissecação da sorte traz o que podemos fazer para aumentar a chance de uma ocorrência menos aleatória. “Você pode pensar em serendipidade como uma sorte passiva que simplesmente acontece com você, quando na verdade é um processo ativo de detectar e conectar os pontos. Trata-se de ver pontes onde os outros veem lacunas e, em seguida, tomar iniciativas e ações para criar sorte.”
◾◾ Como aumentar sua área de superfície de sorte. ("Luck Surface Area”)
Ainda sobre sorte e pra jogar mais uma expressão matemática no seu colo, o link apresenta a equação: L = D*T (Sorte = Fazer * Falar). “A quantidade de serendipidade que ocorrerá em sua vida, sua Área de Superfície da Sorte, é diretamente proporcional ao grau em que você faz algo pelo qual você está apaixonado, combinado com o número total de pessoas a quem isso é efetivamente comunicado.”
*****
◾ O nosso problema é que a vida continua.
Tudo mudou, mas tudo continua o mesmo. Não importa o que aconteça com a gente, a vida continua. O MM Izidoro tentou colocar em palavras a sensação de ter que seguir a vida em meio ao caos. Porque no fim, querendo ou não, ela segue.
💬Nota final
A edição de hoje surgiu da frustração por não conseguir me concentrar em nada, logo no momento em que estava mais empolgado com os ajustes aqui. Quando se cai naquele modo navegação, é difícil de sair. Mas retomamos, com plataforma e visual novo. (e ainda vem mais coisa por aí)
Lembro que uma plataforma nova vem com um tempinho de ajustes e adaptação, então conto com a sua paciência e, claro, feedbacks. Aproveita e já estreia a função dos comentários. (ou me responde o e-mail que vou continuar recebendo direto na minha caixa de entrada).
~ Edgar.
Obrigado por ler até aqui, e não esqueça de compartilhar 🙂
👨💻Textos e curadoria por Edgar Oliveira.
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Sobre a apresentada equação "Sucesso = Talento + Sorte" conjugada com a sentença de James Clear "Trabalhe duro, mantenha o foco e deixe as fichas caírem onde for possível.”, há uma interessante e célebre "frase de internet "atribuída ao Messi (mas também já a vi ser atribuída ao Phelps, Bolt, Bruxo... enfim) que é (mais ou menos assim) "Passei a ter sorte depois que comecei a treinar 10 horas por dia".
Eu acredito muito nisso, pois, um mantra no mundo dos concursos públicos (minha eterna bolha e zona de conforto) é "não existem gênios; o sucesso se consubstancia em 1% de inspiração e 99% de transpiração".
A questão é trabalhar na renovação da motivação de transpirar, já que o resto (o tão almejado "sucesso"), em tese, é consequência de um bom bastidor.
=)
Parabéns pela coluna! Ficou muito bonita e mais operacional!
Forte abraço!