Vamos falar sobre dieta de conteúdo. CP #59
A importância da seleção do que consumimos online e outras dicas.
Nesta edição:
I. A infodemia por outro ângulo.
II. A teoria do Máximo Paladar.
III. Auditoria de Conteúdo.
IV. Conecta Links.
V. Conecta Livros.
VI. Streaming.
E cá estamos nós de novo em janeiro, no meio de uma pandemia, assistindo ao BBB como entretenimento fácil para esvaziar a cabeça. 2020 realmente não acabou ou recomeçou. Continua tudo como esperado, uma loucura. Ainda assim, espero que a virada de ano tenha te dado mais ânimo por aí. Por aqui, diferente de outros anos em que me deixei mais ao sabor dos ventos, coloquei algumas resoluções e listas de objetivos no papel. Muito mais sobre hábitos e comportamentos do que sobre metas (ainda que acabe dando no mesmo no fim das contas).
Um dos pontos principais dessa lista é a criação de um ambiente, especialmente online, que me afaste mais dessa loucura toda e me aproxime mais das minhas metas e da pessoa que quero me tornar.
E vamos para mais uma temporada conectados.
I. A infodemia por outro ângulo
Infodemia é uma epidemia de informação, algumas precisas e outras não, causada pelo excesso de notícias sobre determinado tema. É o fenômeno que testemunhamos hoje com o tema do novo coronavírus.
As mídias sociais e os governos têm lutado para conter o avanço desse fenômeno ao mesmo tempo em que se aproveitam dele como pretexto para expandir seus poderes sobre censura de informações. Na Hungria e na Rússia, por exemplo, espalhar “notícias falsas” agora pode resultar em multas pesadas ou levá-lo à prisão; no Vietnã, publicar o que o governo considera desinformação nas redes sociais é agora um crime passível de sanção.
Sem falar no banimento do ex-presidente Donald Trump de diversas plataformas online, que rendeu protestos, comemorações e diversas análises e questionamentos.
Vários líderes de governos e dessas plataformas aproveitam esse caos para aprovarem leis de criminalização da desinformação na internet que podem restringir permanentemente a liberdade de expressão e tornar mais fácil a repressão de dissidentes online, só para citar alguns problemas.
Eu queria usar esse tema, porém, apenas como gancho para tratar de uma "infodemia" mais invisível. E focar num ponto um pouco menos óbvio (ou não). Me refiro a epidemia do consumo de conteúdo raso, simplório, mais do mesmo. A epidemia da navegação sem intenção. O eterno doomscrolling. (mas o ponto ainda não é esse)
Já falamos sobre dieta da informação aqui, e sobre o excesso de conteúdo que sacia mas não alimenta. Diferente da alimentar, nossa cultura gasta pouco tempo se preocupando com essa outra dieta. E quando faz isso, foca só em um ponto.
Quando nos preocupamos com nossa dieta mental, costumamos nos preocupar com o lixo que estamos consumindo. Mas o problema, talvez até maior, não está na junk food mental que ingerimos. Consumir conteúdo ruim (ruim pra quem e segundo quem, afinal?) tem lá seus prazeres.
Uma outra questão é o conteúdo elevado e rico que deixamos de consumir.
II. "Teoria do Máximo Paladar"
Você se torna o que você consome. Essa é uma das minhas maiores e mais simples (além das mais esquecidas) descobertas que fiz nos últimos anos. O que você absorve é tão importante quanto seus resultados, mesmo que ninguém te cobre por eles.
Coloquei nesse texto aqui as palavras do Ted Goia, quem eu acho que melhor explica essa direta relação de insumos (inputs) de boa qualidade com bons resultados (outputs).
Negligenciamos com frequência a qualidade desses inputs. É fácil cair em uma espiral de consumo de "conteúdos porcaria", que nos mergulha em padrões de pensamento malucos e sentimentos de ansiedade.
Mesmo o conteúdo pouco "nutritivo" que consumo tem sua dose de benefícios. Sigo assistindo meus programas esportivos (mais até do que deveria, confesso) e continuo mantendo a média de um episódio de The Office por dia, por exemplo.
O que tento melhorar hoje, e fazer de forma mais intencional, é aumentar o tempo exposto a conteúdos de qualidade elevada e mais alinhados com a pessoa que quero me tornar. Me expor mais ao que o David Brooks chama de "Teoria do Máximo Paladar".
A ideia de Brooks é que a mente de cada pessoa é definida por seu limite superior - o melhor conteúdo que ela habitualmente consome e é capaz de consumir.
Ele escreve: “Esta teoria é baseada na ideia de que a exposição ao gênio tem o poder de expandir sua consciência. Se você passa muito tempo com os gênios, sua mente vai acabar maior e mais ampla do que se você gastasse seu tempo apenas com coisas comuns.”
Quando estávamos todos na escola ou na faculdade, éramos forçados a lidar com tarefas difíceis como pensar sobre ciência de maneira desafiadora ou escrever ensaios argumentando sobre um ponto com o qual poderíamos ou não concordar.
Depois da faculdade, a maioria de nós resolve continuar fazendo esse tipo de coisa, mas estamos sempre ocupados e nossos cérebros estão quase sempre cansados demais no final do dia. Meses e anos se passam assim. Paramos de ler coisas densas e difíceis e nos contentamos com o Twitter e com as notícias.
Como resultado, nosso máximo paladar diminui. Brooks diz estar preocupado com o futuro desse máximo paladar nas gerações mais novas. "As pessoas da minha geração e das anteriores, pelo menos as sortudas o suficiente para obter uma educação universitária, tiveram algum contato com os clássicos, que acenderam um fogo que reacende toda vez que nos sentamos para ler algo realmente excelente. Eu me preocupo que seja possível crescer agora nem mesmo ciente de que esses registros superiores do sentimento e do pensamento humanos existem."
E continua: "Eu me pergunto se você sentirá o que muitos dos mais velhos sentem - que toda a cultura está corroendo a habilidade chamada de "alfabetização profunda", a habilidade de se envolver profundamente de uma forma dialética com um texto ou peça de filosofia, literatura, ou arte."
David Brooks também deixa claro que sabe que não pode dizer isso sem parecer exigente e elitista demais. E por mais que soe desse jeito, minha intenção também não é ser o chato que fala o que alguém deve ou não consumir. Ou o que é bom ou ruim para você.
Só quero compartilhar meu empenho em criar um ambiente favorável a uma dieta mental mais saudável e reforçar a importância e necessidade de fazer isso no meio dessa bagunça toda.
III. Auditoria de conteúdo
Ainda que o discurso do Brooks possa parecer elitista (e "Ok Boomer") demais, seu alerta funcionou comigo e tenho gastado um tempo tentando criar um ambiente que me exponha a novas ideias. Ou pelo menos a novas referências.
Muita gente que parece inteligente é só uma pessoa com muitas referências. A impressão que alguns amigos, colegas ou conhecidos próximos tem da minha suposta inteligência é apenas fruto da maior quantidade de referências que talvez tenha. (E quem me acha inteligente só me acha mesmo na internet porque é onde mais compartilho essas referências).
Mas se parecer inteligente não quer dizer nada, ter muitas referências é requisito básico para gerar novas ideias e novos pensamentos. É de novo o caso do quanto "melhores os insumos, melhores os produtos".
Como todo mundo, eu também gostaria de ser brilhante e original. Mas não sou inteligente o suficiente para aparecer com boas ideias que surgem naturalmente. Só consigo construir algo em cima de outras coisas. Referências.
Só consigo construir, por exemplo, uma edição de newsletter interessante, útil e valiosa, porque consumi algo interessante, útil e valioso. O que construo está diretamente ligado a minha dieta de conteúdo.
Acredito que ao escolher o que consumir, escolhemos nossos pensamentos futuros. Por isso é tão necessário construirmos um ambiente online que nos exponha a bons pensamentos, já que é nesse ambiente que passamos a maior parte do tempo consumindo informação. Também já conversamos sobre o ambiente nocivo das redes sociais mas acredito ser possível melhorar nossa experiência ali com uma curadoria mais exigente sobre nosso feed.
Ainda não acertei a mão mas sigo conduzindo uma auditoria de conteúdo nesse sentido. Não apenas mas especialmente nas minhas redes, tentando automatizar os fluxos de informações que chegam até mim através do Twitter, Instagram e newsletters. Procurando a melhor forma de manter minhas timelines e minha caixa de entrada com conteúdos bem curados.
É com essa auditoria de conteúdo que comecei esse 2021 com cara de 2020. Fazendo o possível para elevar meu "paladar máximo", para criar um ambiente que me facilite cair em "buracos de minhocas" intelectuais e que me exponha a novas referências e para deixar minha dieta mental mais saudável.
Vamos continuar a conversa nos links mas já aproveito pra perguntar o que você acha disso e se você faz algo para expandir seu paladar máximo e melhorar sua dieta de conteúdo?
🔗Conecta Links
◾ O Twitter anunciou a compra da Revue, plataforma de criação de newsletters. Isso mostra como o mercado de newsletters segue aquecido em 2021 e traz mais um holofote para a mídia, contribuindo para educar o mercado sobre as vantagens e benefícios desse meio.
◾◾ Quem faz isso muito bem é a gerente de estratégia na Aos Fatos, Luiza Bodenmüller, com o artigo "Por que eu acredito que newsletter será O produto de 2021?". Entre os vários pontos que ela elenca para validar sua previsão, o da dieta da informação é um dos principais. "Em resumo, o contexto caótico de 2020 e que se estenderá por 2021 nos deixou mais criteriosos em relação a quais informações consumimos." (...) "A procura por espaço de respiro online é real e a caixa de entrada, acredite se quiser, é um desses espaços: ela não é compartilhada com outros, ela é sua. Pode parecer óbvio — e é —, mas na sua caixa de entrada só entra e permanece o que você ativamente escolhe que exista ali."
◾ James Clear é referência (que já apareceu várias vezes por aqui) na construção de sistemas e processos para criação de hábitos e geração de novas ideias. A Polina Marinova da excelente newsletter "The Profile" entrevista o autor de "Hábitos Atômicos" e faz com que ele explique como otimiza sua dieta de conteúdo, incluindo como organiza seus feeds de mídia social que garante que ele nunca fique longe de uma boa ideia. “Quando você escolhe quem seguir no Twitter, Instagram ou qualquer outro lugar, você está escolhendo seus pensamentos futuros.”
◾ "How To Make Your Social Media Feed More Interesting" traz dicas que podem parecer óbvias mas que muitas vezes deixamos de lado. Navegar com intenção, acompanhar mais curadores e menos editores, seguir menos pessoas e explorar quem essas pessoas interessantes seguem são algumas das dicas.
◾ Os melhores conteúdos que tenho consumido sobre comunicação digital estão no Blog do Valter - Escrita como Revolução. Escritor e especialista na área, já indiquei vários textos do Valter aqui e hoje além de indicar o "Adeus ao blog. Viva o jardim digital", sobre um novo modelo de conteúdo digital feito para durar, recomendo também passar um tempo navegando por todo seu blog.
◾ O Tiago Forte é referência em produtividade e em sistema de gerenciamento de conhecimento e de organização digital. Seu curso mais popular na Forte Labs é o "Building a Second Brain" (tem uma visão geral do curso aqui), onde ensina as pessoas a construir e usar um sistema de notas digitais como um "segundo cérebro" que memoriza tudo. Além de compartilhar um manifesto do que chama de "second brain movement", o Tiago deu recentemente uma palestra em português numa conferência virtual focada em gestão do conhecimento onde explica os princípios básicos de como começar a construir esse "segundo cérebro". Boa oportunidade em português de conhecer mais os conceitos do Tiago e da Forte Labs.
◾ Um grupo de usuários do Reddit trollando Wall Street de um jeito nunca antes visto já é um dos momentos históricos do ano. Estão causando bilhões de dólares em prejuízo a mega corporações que controlam o mercado financeiro internacional, e parece ser só o começo. Enquanto de um lado têm garotos ganhando 32 milhões de dólares da noite para o dia, do outro há os graúdos recorrendo ao FBI e investindo pesado na mídia pra taxar o ativismo como "manipulação de mercado". Até pouquíssimo tempo atrás, era impensável que investidores pequenos conseguissem fazer uma movimentação deste tipo contra investidores institucionais bilionários. Além da matéria acima, tem a história completa nesse blog independente ou um resumo nessa thread em português no Twitter. Uma história sensacional que já merece virar livro e filme.
◾◾ A história, no entanto, ainda está se desenrolando e é mais complexa do que parece. O Manual do Usuário traz um alerta sobre a complexidade do contexto do evento.
◾ Você já pensou como o Instagram distorce a realidade? O Atila Iamarino (ele mesmo), nos explica como que o Instagram distorce a realidade e como isso afeta a nossa relação com o mundo real. Já "O assustador futuro do Instagram" é um excelente estudo de caso interativo sobre a psicologia por trás de sua estratégia de monetização. E em "Por uma internet que seja menos shopping" tem uma boa reflexão sobre os espaços online que foram todos transformados em espaços de compras.
◾ Uma ode visual as newsletters. Um ensaio ilustrado sobre por que as newsletters roubaram a cena e por que isso na real é uma pena: “Tudo o que sei é que a web hoje não foi feita para nós. Não é mais feito para as pessoas enviarem pedaços charmosos de textos para estranhos. Em vez disso, vejo a web como um bem público que foi sequestrado por empresas que tentam nos vender, em sua maioria, lixo. A web hoje é feita para aplicativos - e acho que precisamos retomá-la.”
📖 Conecta Livros
Hábitos Atômicos: um método fácil e comprovado de criar bons hábitos e se livrar dos maus, de James Clear.
Editora Alta Life. 320 páginas.
Recomendado na edição #50, esse vale a repetição. Tanto por ter começado o ano relendo como por ser um guia de primeira linha. Um livro que mostra um plano passo a passo prático e objetivo para construção de hábitos melhores e explica porque e como pequenas mudanças na rotina fazem uma grande diferença. Conhecido por sua habilidade em transformar tópicos complexos em comportamentos simples que podem ser facilmente aplicados à vida cotidiana e profissional e há anos pesquisando, escrevendo e vivenciando o tema, James Clear oferece uma síntese das melhores ideias descobertas na área de criação e manutenção de hábitos.
Uma terra prometida, de Barack Obama.
Editora Companhia das Letras. 764 páginas.
A primeira parte da biografia do Obama não tem nada de novo em sua forma mas é uma leitura muito interessante sobre um presidente que acreditava no poder da democracia e que era indiscutível como grande marca. Obama escreve bem e narra em detalhes o jogo político, econômico e social desde sua campanha ao senado até os dois primeiros anos na Casa Branca, apresentando sua visão sobre os acontecimentos mundiais daquela época e suas condutas. É claro que por se tratar de uma autobiografia, a isenção no posicionamento político não deve ser muito esperada — além daquela miopia americana provocada pela visão geocêntrica que os EUA têm em relação ao resto do mundo. Para quem gosta de biografias, bastidores políticos e dramas pessoas, é um prato cheio. E chega a bater uma nostalgia forte dos tempos em que existiam líderes não obscurantistas.
📺Streaming
A primeira série que terminei no ano. Espalhafatosa e encantadora na mesma medida. A sinopse de WAWWA não é longa: "Em uma base militar americana na Itália, dois adolescentes excêntricos e carismáticos, Fraser e Caitlin, desenvolvem um laço inquebrável enquanto exploram questões identitárias e dificuldades de suas criações opostas". É uma série jovem, uma história de formação que fala de amadurecimento sem abrir mão da inocência. Explora relações de amizade, familiares, e também sexuais de uma forma bruta e realmente sem medo de chocar.
Com uma qualidade técnica visual marcante, é recheada de ótimas atuações de todo elenco (tem a Alice Braga e o Kid Cudi, por exemplo), mas principalmente do Fraser (Jack Dylan Grazer), que desde o início mostra o funcionamento do lugar com seu visual completamente fora dos padrões e suas andanças pela região com seu fone de ouvido e sua playlist.
A série da HBO criada pelo Luca Guadagnino (Me Chame pelo Seu Nome), se passa nos meses em torno da eleição presidencial de 2016 e as lembranças de guerra e as nuvens negras do noticiário político estão sempre presentes. Apesar de achar que poderia ser mais curta (são oito episódios de quase uma hora) e de nem fazer tanto meu estilo, tem momentos e alguns episódios inteiros realmente brilhantes.
E essa foi a primeira do ano. 😊
Saudade de receber por e-mail respostas sua. E responder de volta. Participar desse diálogo digital sem a urgência das notificações é a melhor parte de fazer isso aqui. Já agradeço por começarmos mais um ano juntos.
Que sigamos conectados e se ajudando como possível durante todo ano. E até a próxima.
~ Edgar Oliveira
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