Nesta edição:
I. Contra a ansiedade de status.
II. Manual para quem odeio autopromoção.
III. Dias bons ou dias ruins: continue construindo.
IV. Conecta Links.
V. Conecta Livros.
VI. Só mais uma dica.
Edição de número redondo daqueles bons de celebrar. Mas essa é só mais uma edição normal que vou falar ligeiramente sobre me manter aqui por 50 edições compartilhando um pouco da minha cultura e dos meus aprendizados com vocês, que são cada vez mais numerosos e participativos. Da insegurança, necessidade de aprovação e medo da opinião alheia. Passando pelas descobertas e vantagens de se compartilhar interesses e aprendizados. Até a disciplina e o foco no processo para seguir contribuindo e construindo mesmo em tempos de crise.
Já escrevi mais ou menos sobre isso outras vezes mas vale a pena repetir porque repetição é o assunto.
I. Contra a ansiedade de status
"A felicidade só é real quando compartilhada", já dizia Christopher McCandless em "A Natureza Selvagem". Já me enganei concordando várias vezes com essa frase (que na verdade é do Henry D. Thoreau, a quem McCandless se inspirava), quando parecia que só conseguia ser feliz e me sentir em paz de verdade se os outros enxergassem minhas conquistas.
Mas a questão não era sobre a felicidade precisar ser compartilhada. Era só que eu era carente de atenção mesmo. Quando comecei essa newsletter compartilhando minhas leituras, por exemplo, me perguntava se meu desejo partia de uma intenção genuína de espalhar "informação útil" e me conectar com pessoas ou se eu queria apenas a atenção delas para o que eu estava fazendo. Tipo "olha quão legal eu sou por gostar desse livro".
Ainda hoje, acho que tem um pouco dessa última opção. Esse tipo de questionamento que me levou a leitura de "Desejo de Status" do Alain de Botton. Já tinha ouvido falar do livro mas só fui dar bola quando vi o título em inglês em algum canto da internet. "Status Anxiety" me pegou.
Quando vi que tratava da ansiedade que sentimos sobre o que os outros pensam de nós, sobre se somos julgados um sucesso ou um fracasso, um vencedor ou perdedor, fiquei intrigado com o fato do autor ter chamado a condição de status anxiety e esperava aprofundar minha compreensão pra deixar de lado a constante necessidade de aprovação e o medo de ficar aquém.
"Se a nossa posição social é o cerne desse desejo, é porque a concepção que temos de nós mesmos depende muito do que os outros pensam de nós. Excetuando-se uns raros exemplos (Jesus, Sócrates) , precisamos de sinais de respeito do mundo para nos considerarmos toleráveis."
O livro apresenta uma argumentação bem estruturada que identifica e ataca os pilares fundamentais das sociedades atuais, criadoras de multidões de pessoas infelizes, decepcionadas consigo mesmas e com a posição social que ocupam.
Depois de analisar as cinco causas que nos levam a busca desenfreada por status - falta de amor, esnobismo, expectativa, meritocracia e dependência - revelando sua origem histórica e suas conseqüências, o autor mostra cinco remédios que podem atenuar esse mal. A filosofia, a arte, a política, a religião e até a boemia podem se tornar armas importantes contra as frustrações decorrentes do desejo de status.
O livro de fato ajuda na compreensão dessa ansiedade. Não tenta oferecer nenhuma solução simples e miraculosa, apenas explana sobre a questão em toda sua complexidade, ajudando a entender da onde vem esses sentimentos. Vale a leitura.
Mas o que vale mesmo é o que aprendi na prática aqui com vocês.
II. Manual para quem odeia autopromoção.
"Mostre seu trabalho" é um livro do Austin Kleon, que muitos conhecem através do sempre muito recomendado "Roube como um artista". Se este último era um livro sobre roubar referências de outras pessoas, o primeiro é sobre como se tornar referência para outras pessoas roubarem de você - palavras do próprio Kleon.
É na verdade um livro sobre autopromoção. Como fazer para meus projetos aparecerem? Como ganho visibilidade? Como ter um público? Muita gente se sente desconfortável com autopromoção. Eu odeio autopromoção. "Mostre seu trabalho" é um manual para iniciantes que odeiam autopromoção.
O Kleon conta como o comediante Steve Martin é conhecido por se esquivar das perguntas acima com um conselho: "Seja tão bom que não vão te ignorar". Se apenar focar em ser realmente bom, diz o Martin, as pessoas irão até você. Realmente, se você for bom o bastante seu público vai achar você.
No entanto, para Austin Kleon não basta apenas ser bom: "Antes de ser encontrado, você precisa ser encontrável". Ok, também não dá pra discordar do Kleon, certo? Pois então, o livro mostra maneiras fáceis de expor seu trabalho e fazer com que ele seja descoberto enquanto você se mantém focado em ser muito bom naquilo que faz.
O problema é aceitar ser encontrável quando seu trabalho ainda não é bom. Quando ainda é uma bosta provavelmente (e talvez nesse período nem seja bom mesmo. O próprio Kleon fala sobre aproveitar sua obscuridade enquanto dura. Usá-la para se preparar mais.) Mas uma hora será preciso. E a gente nunca tá pronto. É aí que vem aquelas inseguranças e ansiedades lá do início.
Não quero cair no clichê "feito é melhor que perfeito" que eu também já acreditei mais do que deveria. A real é que não dá pra esperar ser bom pra começar a fazer e a compartilhar. Mas não dá pra também compartilhar sem pelo menos se esforçar pra ser minimamente bom.
As pessoas que aliam os conselhos do Steve e do Austin é que estão no caminho certo. Se tornar encontrável ao mesmo tempo que se trabalha duro para melhorar no que faz.
Eu, na maioria das vezes, não estou fazendo nem uma coisa nem outra. E ainda assim, há pouco tempo, atingi outro número redondo aqui: 250 assinantes. Tava dando uma olhada nessa lista e vi, pra minha surpresa, que tem gente desde 2016 nela. Nem eu lembrava que tinha iniciado essa lista há tanto tempo.
É um número bem pequeno, eu sei, mas se eu não tivesse começado a compartilhar ideias, interesses e aprendizados na internet lá atrás, provavelmente não teria encontrado você aí. Ou você não teria me encontrado. E tem um valor enorme ter você aqui.
Tudo isso é pra dizer que vale a pena construir seu cantinho na internet. Tem mais gente legal do que hater no mundo. E muitas delas vão gostar do que você faz, por mais estranho que seja.
Desde que você seja encontrável, trabalhe sempre para melhorar e se mantenha no jogo por tempo o suficiente.
III. Dias bons ou dias ruins: continue construindo.
Para completar a trilogia de frases que já concordei mais do que deveria, tem essa "nunca desista dos seus sonhos". Ou quase todas com desistência no meio. "Você só irá fracassar se desistir". "Insista, persista e nunca desista, pois um dia você conquista."
Existe uma linha tênue entre desistir e persistir. É difícil saber se estamos chegando cada vez mais perto ou apenas perdendo tempo. Só sei que na grande parte das vezes que as frases acima estão expostas em power points, meu "bullshit alert" dispara.
Mas se você tem um projeto de conteúdo, que precisa de uma audiência, talvez devesse mesmo ignorar o alerta e seguir persistindo.
Gosto de enxergar essa linha entre desistência e persistência pela lente da paciência. E da disciplina. Pensar não em velocidade mas em constância. E constância é sinônimo de rotina. E uma boa rotina ajuda na disciplina.
Muita rotina não resistiu a quarentena. Comigo não foi diferente. E por incrível que pareça, justamente nesse período bagunçado foi que consegui manter o cronograma dessa newsletter por mais tempo. (faz de conta que essa edição não era pra ter saído na semana passada).
Muito do conforto que encontrei ultimamente veio daqui. De ter um processo repetitivo para fazer e compartilhar. De ter a sensação de que estou construindo algo, por menor que seja, mesmo em tempos de crise.
"I think I need to keep being creative, not to prove anything but because it makes me happy just to do it...I think trying to be creative, keeping busy , has a lot to do with keeping you alive." ~ Willie Nelson
Certeza que se estivesse com uma rotina, um sistema funcionando a todo vapor, colocaria mais tijolinhos de uma vez nessa construção. Pra muitos, uma rotina estrita soa como uma prisão. Já eu, invejo quem tem uma rigorosa rotina diária, tipo a do rapper Lil Wayne quando tava preso.
Sua rotina consistia em acordar as 11h e tomar café, depois partia para ligações, banho, e ler e-mail de fãs. Após almoçar e fazer mais ligações, era hora de ler, depois escrever, jantar, fazer flexões, escutar ao rádio, ler mais um pouco e dormir. Todo santo dia era isso.
Quantas músicas ou quantas edições dessa newsletter não daria pra colocar no ar por semana com uma rotina dessas?
Brincadeiras a parte, um pouco de aprisionamento (por sua própria conta, é claro) pode ser libertador. Em vez de restringir sua liberdade, uma rotina te proporciona mais dela ao te proteger dos altos e baixos dos dias e te ajuda a tirar melhor proveito do seu limitado tempo, talento e energia.
É o que é preciso para seguir construindo em dias bons e dias ruins. É a rotina diária aliada a paciência e a disciplina que se acumula ao longo do tempo em algo substancial.
Ter uma "deadline" pra enviar a newsletter, por exemplo, ajuda mas não é o suficiente. Preciso transformá-la em trabalho diário, ao contrário do que tenho feito que é sentar aqui e escrever tudo correndo com dois dias de antecedência.
O aprendizado maior, no entanto, é o de seguir encontrando maneiras de contribuir construindo. Em dia bons ou ruins. O Ralph Waldo Emerson era muito bom em escrever sobre isso:
"Um homem deve fazer o trabalho com a faculdade que possui agora. Mas essa faculdade é o acúmulo de dias passados. O que você fez há muito tempo, ajuda você agora. Nenhum rival pode rivalizar com o passado. O que você aprendeu e fez é seguro e proveitoso. Trabalhe e aprenda nos dias maus, nos dias áridos, nos dias de depressão e calamidade."
Lembrei do Emerson ao ler "Desejo de Status" porque ele também era muito bom em escrever sobre a necessidade dos indivíduos evitarem a conformidade e seguir seus próprios instintos e ideias.
“É fácil viver no mundo conforme a opinião das pessoas. É fácil, na solidão, viver do jeito que se quer. Mas o grande homem é aquele que, no meio da multidão, mantém com perfeita doçura a independência da solidão.”
Em tempos de crise, se mantenha no jogo. Contribua construindo e não desconstruindo com culpa e medo da opinião de terceiros.
🔗Conecta Links
◾ James Clear é um dos mais expoentes especialistas na criação de hábitos. Em "Esqueça o estabelecimento de metas e concentre-se no sistema", ele mostra que suas limitações não são a complexidade do seu objetivo, mas a inadequação de seus sistemas. "Você não atinge o nível dos seus objetivos. Você cai no nível de seus sistemas. Seu objetivo é o resultado desejado. Seu sistema é a coleção de hábitos diários que o levará até lá. Gaste menos tempo focando nos resultados e mais tempo focando nos hábitos que precedem o resultado." O James mostra porque você alcançaria seu objetivo mesmo se você o ignorasse completamente e se concentrasse apenas no seu sistema, ou seja na sua rotina. E falando em rotina lembrei desse antigo artigo no PapodeHomem que é um dos melhores que já li no assunto: "O poder da rotina como catapulta para criatividade".
◾ Essa edição da Bits to Brands comemorou seus dois anos de existência compartilhando as principais lições aprendidas nesse tempo. Tem lição sobre compartilhar sem medo e sobre a importância do processo, de seguir um sistema com consistência e mais. Valiosas dicas de quem construiu seu lugar na internet começando do zero para se tornar referência na área.
◾ De uns tempos pra cá tenho visto cada vez mais pessoas usando a Substack como plataforma para suas newsletters. Essa plataforma cresceu bastante desde 2017 e se tornou popular permitindo que os autores distribuam seus textos gratuitamente ou por meio de assinaturas pagas. Comecei a pesquisar mais sobre e encontrei essa entrevista recente do co-fundador sobre o significado do serviço e sobre o novo boom das newsletters. "Estamos em um momento importante de como consumimos e financiamos a escrita e a cultura".
◾◾ Ainda sobre a Substack, em cima desse artigo do NYT, a Heather Havrilesky escreveu uma série de tweets sobre a plataforma e como ela pode ser um lugar onde escritores podem crescer, experimentar e complementar sua renda em momentos como esse em que o mundo sai dos trilhos. Seguirei olhando de perto.
◾ Esse artigo do El País sobre "fadiga da quarentena" que leva até os defensores do isolamento a se arriscarem contra as regras, mostrando que a coisa é mais complexa e menos binária do que "os mocinhos" ficam em casa e os "vilões" vão pra rua. Psicólogos acreditam que ainda que os dados continuem alarmando, as pequenas escapadas se tornarão cada vez mais comuns. A explicação, segundo eles, é científica. “Nosso sistema faz esforços para nos adaptar a situações novas e indesejadas, de privação. Mas, quando somos obrigados a fazer isso por muito tempo, esse mecanismo entra em falência e não conseguimos mais racionalizar”.
◾ Descobri que existe o termo "doomscrolling" (enquanto praticava o doomscrolling) nesse artigo da Wired que fala como essa prática acaba com sua saúde mental. "Verificar o telefone por duas horas extras todas as noites não interromperá o apocalipse, mas poderá impedir que você esteja preparado para isso". Tentar acompanhar em tempo real todas notícias da pandemia, das besteiras que o governo faz e etc, não vai encurtar a quarentena e ajudar a economia. Já cuidar da sua saúde mental pode fazer a diferença.
◾ Esse vídeo da School of Life que resume em menos de 5 minutos o "status anxiety" do Alain de Botton.
◾ Vale a pena assistir a live #ManoDraw que marcou o encontro entre o Dr. Drauzio e o Mano Brown, que bateram um papo bacana e descontraído sobre racismo, música e outros assuntos por mais de uma hora. Tem também o Roda Viva com o filósofo, jurista e professor Silvio Almeida falando mais, entre outras coisas, sobre racismo e a onda de protestos ao redor do mundo. Ou pelo menos dá uma olhada nessa thread com todos os livros que foram indicados no programa.
◾ Lionel Messi, o melhor jogador de futebol de uma geração, quiçá de todos os tempos (polêmica lançada), completou 33 anos na última quarta. Em meio as homenagens nas redes sociais só consegui lembrar desse vídeo: Messi é um cachorro. Gostando ou não de futebol, dá pra se emocionar. Ou não, não sei como é não gostar de futebol. 🙃
◾ A VisualizeValue usa um design simples (tela preta, tipografia branca e geometria) para produzir conteúdo digital e passar mensagens importantes sobre como usar hábitos, tecnologia e o próprio design para construir projetos de valor. Simples, elegante e direto ao ponto.
◾ A Mini Mundos é uma newsletter de mini contos que sempre vem acompanhada de reflexões sobre a vida, especialmente sobre a luta que é o processo de manter uma rotina de escrita. Eu, que invejo quem tem a criatividade para escrever contos, fui lembrado na última edição que o maior desafio não são as ideias ou a criatividade. O maior desafio é sentar na frente do computador e escrever. Seguir o sistema e sentar a porcaria da bunda na cadeira pra escrever.
◾ A playlist feita pelo Bruce Springsteen sobre a era Donald Trump. São cinco músicas (tem de Billie Holiday a Jay-Z e Frank Ocean), e ele fala sobre a playlist nessa entrevista na Atlantic.
📚Conecta Livros
◾ O Deserto dos Tártaros, de Dino Buzzati.
Editora Nova Fronteira. 176 páginas.
A história de um jovem tenente que recebe com alegria uma missão que o faz escapar da monotonia da academia militar mas só encontra desolação, uma desvanecida busca pela glória e sonhos não realizados. Há muito que não incluía um livro tão pouco empolgante nos meus favoritos. Uma trama tão simples e sem grandes acontecimentos, sendo exatamente essa a grande questão. Uma metáfora perfeita sobre a passagem inexorável do tempo e de como, nas variadíssimas circunstâncias das nossas vidas, nos deixamos devorar por ele, sem termos a mais pequena ação que o contrarie. Fascinante. Em especial pra quem vive uma ansiedade existencial e uma pressa em fazer acontecer.
◾ Hábitos Atômicos, de James Clear.
Editora Alta Life. 320 páginas.
Ainda não terminei de ler mas é do James Clear que citei no primeiro link, e já li o suficiente do seu blog pra arriscar já recomendar o livro. Clear é conhecido por sua habilidade em transformar tópicos complexos em comportamentos simples que podem ser facilmente aplicados à vida cotidiana e profissional. Seu livro mostra porque e como pequenas mudanças na rotina fazem uma grande diferença. Clear compartilha um plano passo a passo para construção de hábitos melhores. Há anos pesquisando, escrevendo e vivenciando esses assuntos, oferece uma síntese das melhores ideias descobertas na área. Se você já leu "O Poder do Hábito" e gostou, é provável que goste ainda mais desse que parece ser mais prático e objetivo.
🎥 Só mais uma dica: No Portal da Eternidade.
O catálogo do Amazon Prime já bate de frente com o da Netflix não é de hoje. E a relação custo benefício pode ser até melhor já que o preço é mais em conta. "No Portal da Eternidade" está disponível por lá e é um dos grandes filmes que assisti recentemente.
É um filme biográfico que retrata os anos finais da vida do pintor Vincent van Gogh. Lindamente feito e baseado em cartas do próprio artista, o filme é uma jornada dentro do mundo e da mente de uma pessoa que, apesar do ceticismo, do ridículo e da doença, criou algumas das obras de arte mais queridas e impressionantes do mundo.
É isso. Essa edição era pra ter saído semana passada mas tive que me dedicar a outras coisas que mexeram ainda mais na rotina. Aproveitei pra afinar o sistema e agora é focar no processo e seguir construindo.
Obrigado por seguir conectado e até a próxima.
~ Edgar Oliveira.
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