Uma desculpa para falar de ciência. CP#43
Carl Sagan e a importância de uma visão mais ampla do que chamamos de universo.
Nesta edição:
I. Pedido especial.
II. Um pálido ponto azul.
III. Um motivo para falar de ciência.
IV. Conecta Links.
V. Conecta Livros.
O planejado era voltar só depois do carnaval. Mudei de ideia ao descobrir que hoje, 14 de fevereiro de 2020, uma icônica foto (que me inspirou até uma tatuagem), completa 30 anos.
Por coincidência (já que só fui saber desse "aniversário" noite passada), terminei ontem de ler mais um livro de Carl Sagan. Um livro com o mesmo nome da tal foto que hoje completa 3 décadas: O Pálido Ponto Azul.
Uma boa data pra dar o pontapé na CP News 2020.
I. Um pedido especial
Há 30 anos, a NASA receberia uma das mais famosas fotos da história da exploração espacial. Foi tirada pela sonda espacial Voyager 1, que já havia terminado sua missão principal de estudar Júpiter e Saturno, e se encontrava a mais de 6 bilhões de quilômetros da Terra.
(A missão da Voyager1 foi estendida para que ela continue a estudar os confins do espaço interestelar e segue até hoje. A sonda é atualmente o objeto mais distante produzido pelo ser humano no espaço, cerca de 20 bilhões de km de distância.)
Carl Sagan fazia parte da equipe de imagens da missão da Voyager1. A sonda estava prestes a sair do nosso sistema solar e Sagan fez campanha sobre um pedido especial. Que virassem a sonda em direção a Terra e a fotografassem (o que por diversos motivos era algo temido por vários membros da equipe).
Mesmo sabendo que a foto não teria muito valor científico, ele acreditava que a fotografia seria útil para nos dar uma perspectiva sobre o universo e nosso lugar nele.
"Parecia-me que outra fotografia da Terra, tirada de um ponto centenas de milhares de vezes mais distante, poderia ajudar no processo contínuo de nos revelar nossa verdadeira circunstância e condição. Os cientistas e filósofos da Antiguidade clássica tinham compreendido muito bem que a Terra era um simples ponto num vasto cosmo circundante, mas ninguém jamais a vira nessa condição. Era nossa primeira oportunidade (e, talvez, também a última em várias décadas)."
Seus esforços para convencer a NASA deram resultado. Em 1990, a nave espacial redirecionou suas câmeras para os já distantes planetas. Apenas 34 minutos antes de desligar suas câmeras para sempre, a sonda fotografou. E ao longo de meses, radiotransmitiu os dados para a equipe na Terra. Os pixels que chegaram deram forma a uma foto de baixa resolução, bem sem graça em relação a tantas outras já tiradas até aquele momento.
O que a tornou icônica, porém, não foi sua beleza, mas o que ela significava ao mostrar a imensurável vastidão do espaço e nosso inegável pequeno lugar dentro dele.
A foto mostrava nosso planeta a maior distância já vista. Em meio ao vazio do cosmos, equilibrada em um raio de sol, lá estava um pontinho no meio do nada. Era a Terra. E essa foto inspirou Sagan a uma das mais atemporais reflexões sobre nosso lugar no cosmos.
II. Um pálido Ponto Azul
Àquele pontinho sem graça e embaçado no meio do nada, Sagan deu o nome de Pálido Ponto Azul. Ao expor a fotografia em uma aula pública na Universidade de Cornell, fez um discurso sobre suas reflexões sobre a imagem.
Não me recordo quando nem como cheguei até o discurso em forma de texto com a reflexão de Sagan. Lembro apenas do impacto que suas palavras tiveram na minha visão sobre a vida, a verdade e o universo. A partir disso, procurei outras coisas do físico, biólogo, astrônomo, escritor e ativista pra ler.
"Cosmos" me deixou admirado com as possibilidades, a dimensão e a beleza do universo. Já o "Mundo Assombrado pelos Demônios" ( já recomendado em outra edição) foi responsável por me abrir o olho para a importância da ciência, da busca pela verdade e por me trazer uma necessária dose de ceticismo.
O que acabo de ler foi lançado lá em 1994, dois anos antes de sua morte precoce. "O Pálido Ponto Azul" é um livro onde Sagan expande suas reflexões sobre aquela imagem. Em linhas gerais é onde ele examina afirmações muito difundidas em toda a história humana, de que o nosso mundo e a nossa espécie são únicos e até centrais para o funcionamento e a finalidade do cosmo.
Devo dizer que foi seu livro que menos gostei. Talvez pela enorme expectativa criada. E pelo fato de ter muitas partes mais técnicas sobre as possibilidades do envio de seres humanos ao espaço ( o que até gosto mas não era o que queria no momento). Confesso que pulei várias dessas páginas até chegar ao final.
Ainda assim, é Carl Sagan. Mesmo com essas considerações pessoais, faço questão de recomendar. O livro tem várias passagens que também parecem atemporais. Há mais de 25 anos, Sagan parecia estar falando sobre os dias de hoje:
"(Há uma) tendência discernível nos últimos tempos, em direção ao autoritarismo, a censura, o ódio étnico e uma profunda desconfiança em relação à curiosidade e ao aprendizado."
Um livro sobre outros mundos, o que nos espera neles, o que eles nos dizem sobre nós mesmos e, dados os problemas urgentes que nossa espécie enfrenta no momento, se faz sentido partir ou não, é uma leitura cada vez mais necessária.
Deveríamos resolver esses problemas primeiro? Ou serão eles uma razão a mais para partir?
III. Um motivo pra falar de ciência
Sagan fez contribuições grandiosas e relevantes para a ciência. Ganhou medalhas por Realizações Científicas Excepcionais (duas vezes) e por Notável Serviço Público. Participou de vários projetos das expedições das espaçonaves Mariner, Viking, Voyager e Galileu.
Mas o cientista ganhou notoriedade mesmo foi por ser um dos maiores e melhores divulgadores científicos. Com sua capacidade de se comunicar com o público e sua dedicação para este fim, foi um dos grandes pioneiros na popularização da ciência.
Sua série televisiva Cosmos ( que ganhou uma nova versão com Neil deGrasse Tyson) ganhou os prêmios Emmy e Peaboy e se tornou o programa com maior audiência na história da TV pública americana.
Sagan quebrou os padrões acadêmicos da época e com boa vontade e poder de comunicação, traduziu sua sabedoria técnica e acadêmica para uma audiência mais popular.
É sempre interessante falar de Carl Sagan. E falar dele acaba por ser também sempre uma boa desculpa pra falar de divulgação científica. E mesmo sabendo que vou soar repetitivo, falar de ciência e de Carl Sagan em meio ao obscurantismo que nos rodeia hoje em dia, é sempre bom e mais que necessário.
E fiquemos com seu otimismo:
"Apesar de todos os nossos fracassos, a despeito de nossas limitações e falibilidades, somos capazes de grandeza. Isso vale para nossa ciência e para algumas áreas de nossa tecnologia, para nossa arte, música, literatura, para nosso altruísmo e compaixão, e até, em raras ocasiões, para nossa política. Que novas maravilhas, jamais sonhadas em nossos tempos, teremos elaborado em mais uma geração? E em outra mais?"
Valorize a ciência. Leia e compartilhe Carl Sagan.
🔗Conecta Links
◾ Pálido Ponto Azul, de Carl Sagan [Vídeo, 6 min, em portugês]. O texto do discurso do Sagan sobre a foto. Em vídeo e narrado pelo autor e dublador Guilherme Briggs. Não importa o dia que abra essa newsletter, hoje é um bom dia pra compartilhar com alguém.
◾ NASA remasteriza icônica foto da Terra vista a 6 bilhões de km [Leitura, 5 min, em português]. Mais do que a foto remasterizada para celebrar os 30 anos, o artigo traz mais informações sobre o evento de 1990 e as poéticas reflexões de Sagan.
◾ Dráuzio Varela no Roda Viva [Vídeo, no seu tempo]. Nosso divulgador científico mais importante tratando de temas indispensáveis e urgentes no Roda Viva. Podemos considerar o Dráuzio o nosso Carl Sagan brasileiro?
◾ Parasita [Leitura, 6 min, em português]. Essa semana Parasita fez história ao ser o primeiro filme de língua não inglesa a levar (entre outras) a principal estatueta do Oscar 2020. Com a declaração do nosso ministro da economia sobre a alta do dólar, a recomendação pra que todos assistam ao filme fica ainda mais relevante. Tomando cuidado com os spoilers, esse artigo faz uma análise bem detalhada sobre a obra de Bong Joon-Ho.
📚Conecta Livros
◾ O universo numa casca de noz, de Stephen Hawking.
Editora Mandarim. 215 páginas.
Voltado explicitamente ao público leigo, o também renomado cientista Stephen Hawking apresenta, de forma simplificada, os princípios que controlam o Universo e as principais ideias antes e hoje debatidas pelos físicos teóricos. Recheado de gráficos e imagens e referências a cultura pop, fica legal de ler sobre buracos negros, viagens no tempo, a busca pela Teoria de Tudo e até o destino biológico e tecnológico da humanidade.
◾ Trilogia Fundação, de Isaac Asimov.
Editora Aleph. 952 páginas.
Isaac Asimov é mais outro grande divulgador da ciência e considerado um dos maiores escritores da ficção científica de todos os tempos. A Fundação (primeiro livro de uma trilogia) conta a história de um grupo de cientistas que procuram preservar conhecimentos conforme a civilização ao seu redor começa a regredir. Lembro que após a leitura achei o livro mais simples e menos revelador do que imaginava. As expectativas também eram altas. Mas não deixa de ser um livro obrigatório pra quem gosta do gênero.
Está aberta mais uma temporada dessa newsletter. Seguiremos conectados.
Per aspera ad astra. (Através das dificuldade até as estrelas)
Até a próxima e um bom carnaval pra vocês.
~ Edgar Oliveira.
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