Conectando Pontos #36
CP#36 - Cuidado com os bons e velhos tempos
Esse fim de semana voltei a escutar aquela frase que todo mundo que já passou dos 35 mais cedo ou mais tarde manda para o jovem: “no meu tempo era diferente”. Não cheguei a falar a frase entregadora de idade mas me peguei pensando se estava apenas sendo o cara saudosista prestes a soltar aquele “no meu tempo que era bom”.
Tudo culpa da seleção brasileira. Tudo bem que não se formam mais Romários e Bebetos como antigamente mas isso de "bons e velhos tempos" nem existe. Ou pelo menos, não como idealizamos. No fim das contas, aquela cantada do Neymar que virou piada ainda tinha fundamento...
I. Seleção brasileira, NBA, os velhos tempos e o progresso
Enquanto vi muita gente comemorar a Copa América no domingo, vi um número talvez até maior de uma galera se mostrando bem indiferente ao fato. Apesar de ser apaixonado por futebol e mais doente do que deveria pelo Flamengo, por aqui não bateu nenhum tipo de empolgação.
Num grupo que participo, foi levantada a bola sobre porque parece que a empolgação com a seleção tem sido cada vez menor. Surgiram respostas sobre o momento político do país, os escândalos da CBF, as polêmicas do nosso principal jogador e a safra de atletas menos talentosa e identificada com a seleção.
Além de concordar com um pouco disso tudo e pensar em muitas outras razões, tenho ainda um motivo bem pessoal com essa falta de empolgação.
Pode ser que a forma como acompanho a NBA me contaminou.
Quando comecei a ter time pra torcer na liga de basquete americano, ainda era a época pré banda larga e TV a cabo. Bons tempos? Nem lembro como acompanhava, se é que acompanhava. Provavelmente só via as finais ou no máximo os playoffs em algum canal aberto com os direitos de transmissão. Minha torcida nessa época era, é claro, pelo Chigago Bulls de Jordan e cia. Bons tempos!
Depois disso, já com internet melhor e alguns canais a cabo, veio o Kobe Bryant e as comparações com o Michael Jordan e, como aplicado fã, peguei ranço do Kobe e do Lakers, sua equipe. E o ranço meus amigs, é um caminho sem volta. Agora nem com o grande Lebron James lá em LA eu consigo criar simpatia por eles. Saudade mesmo tenho é da época do Lebron em Miami, junto de D. Wade, meu jogador preferido desde os tempos de Jordan, e que me fez virar fã do Miami Heat.
Também tive minha fase Boston Celtics (o grande rival dos Lakers) do Kevin Garnett e do Ray Allen e mais um ranço sem volta pelo San Antonio Spurs (não consigo lembrar o porque desse). Já hoje, se me perguntar pra quem torço, não saberia dizer pra quem.
Com meus jogadores preferidos aposentados ou em equipes que não tem como pegar o caminho de volta, nenhum dos outros tem a capacidade de me fazer torcer como na época dos bons tempos.
Lendo as notícias sobre o troca troca de jogadores para a próxima temporada, por exemplo, vi que o Kawhi Leonard, atual MVP da liga, trocou de equipe após apenas um ano e um título histórico no Toronto. Olha que nem gosto muito do Kawhi (jogava no SA Spurs, ranço) mas só um ano e tchau? Agora que tava criando simpatia por você e pelo Toronto, Kawhi?
Cadê a identificação com a camisa e a torcida? Cadê a vontade de fazer história num lugar?
No meu tempo não era assim.
Parando pra pensar, e voltando pra seleção brasileira, minha relação com ela está parecida com essa relação que tenho com os times da NBA. Mais precisamente desde 1998, quando cortaram o Romário daquela copa e a decepção só foi passar lá pela semifinal contra a Holanda.
Desde então, só tenho um real interesse e consigo me empolgar com os jogos quando tem algum jogador que curto bastante participando. Tipo um Neymar, que polêmicas a parte tem um talento fenomenal que gosto de assistir, ou um cria da Gávea que enche qualquer flamenguista bobo de orgulho (alô Tite, cadê o Vini Jr?). Sem isso — apesar da admiração pelo futebol de caras como Thiago Silva, Dani Alves e outros , e com exceção da Copa do Mundo que o clima festivo toma conta— um jogo da seleção pra mim nada mais é do que um filme legal na TV, daqueles que a gente assiste dividindo a atenção com o celular .
Basicamente, quero dizer que assim como na NBA, hoje torço mais pelos jogadores individualmente do que pela equipe cebefiana. A menos que o clima no país mude e contamine positivamente a seleção, não creio que esse sentimento vai mudar. Queria que os bons e velhos tempos de sentar e vibrar com a seleção voltassem. Aqueles bons tempos de Romário e Bebeto, aqueles velhos tempos de narração contagiante do Galvão.
Só que eles não voltam. As coisas não voltam a ser como no “nosso tempo” simplesmente porque isso é historicamente impossível. A sociedade muda. O futebol mudou. Como esporte e como negócio. Assim como a NBA. Os saudosistas dirão que pra pior, o que nem concordo. Mas não existe “bons e velhos tempos”, nossa memória é que em certo grau, apenas filtra as coisas boas do passado isolando as negativas.
Assim como é difícil imaginar um futuro inédito que não esteja galgado em coisas que já vimos, tratamos muitas coisas do presente vestindo um óculos com alto grau de saudosismo.
Que me perdoem os fãs de basquete mas não passo de um torcedor modinha na NBA, que muda de time a cada temporada praticamente. Não é o caso com a nossa amarelinha que apesar de sofrer com os respingos dos problemas da nação, tem minha torcida garantida. O problema é que além da idade que vai deixando a gente mais azedo para certas coisas, essas lentes do saudosismo que me levam a equivocadas comparações com velhos tempos, parece ter sido mais um forte motivo para minha falta de empolgação com a seleção.
Como foi por aí? Pegou a bandeira e foi pra rua comemorar ou nem viu o jogo? Por aqui serviu apenas de desculpa pra abrir uma cervejas. E pra me fazer pensar se esse saudosismo poderia estar me tirando outros prazeres.
II. Apagão e o filtro da nostalgia
Semana passada as plataformas do Facebook sofreram com mais um apagão. Dessa vez parcial mas suficiente para deixar muita gente bem contrariada.
Não é pra menos. Em maior ou menor grau, todo mundo depende demais desses serviços hoje. No Whatsapp presenciei desde reclamações zueiras sobre impossibilidade do envio de figurinhas (a maior revolução da comunicação online desde os emoticons), até questionamentos mais sérios de gente que depende dos aplicativos para adiantar seu trampo.
Entre as zueiras e reclamações não poderia faltar aquele que sempre puxa o discurso sobre aproveitar para se desconectar e curtir a vida offline. Num dos meus grupos, um amigo brincou dizendo que ia colocar uma cadeira de praia em frente de casa para observar os carros passando e puxar assunto com quem aparecesse.
Apesar das brincadeiras, não deixa de ser uma discussão em alta e necessária, tanto que não faltam movimentos sobre como seria melhor a gente dar uma desconectada e viver mais a vida “real”. A expressão Fear of Missing Out (FOMO), por exemplo, que representa o medo que temos de perder alguma informação importante (o que acaba nos deixando permanentemente conectados) já virou tão lugar comum que inventaram a JOMO, Joy of Missing Out, que ao contrário da primeira, representa o prazer de se desconectar e não saber de tudo.
Todo esse sentimento por voltar “as antigas” e as lembranças de uma época mais oldschool e familiar, também já foi mapeado como tendência de tecnologia e comportamento para 2019. (e o detox digital é mais outra). As marcas já perceberam que confiamos no filtro da nostalgia. Aquele que embaça nossas memórias negativas e realça as boas.
Nem acho que esse é um filtro o tempo todo ruim. Algumas lembranças sobre o nosso passado se tornam muito mais agradáveis assim. Inventaram até uma palavra para a nostalgia de um tempo que a gente nunca conheceu: Anemoia. (Certeza que o Neymar conhecia essa palavra). E essa nostalgia de um passado que nunca se realizou, ainda pode sugerir que seguimos tendo nossos ideais, mesmo que os tenhamos enterrados vivos.
Só que o filtro tem sim sua parte nociva. "O progresso é a realização das utopias", diz uma citação que tirei de um dos livros recomendados hoje. E as utopias estão sempre no futuro. Não tem como lutar contra o progresso, querendo ou não ele vai acontecer e mesmo não acreditando que ele automaticamente vai melhorar o mundo, olhar pra trás com o realce das boas lembranças desregulado e crer que tudo que era do nosso tempo era melhor, pode nos impedir de enxergar e aproveitar coisas boas no presente, assim como de olhar com entusiasmo e esperança pra esse futuro.
No fundo eu só queria que a esteira do progresso e o filtro da nostalgia não me estragassem um simples prazer de curtir um futebol da seleção brasileira. E que não me atrapalhassem a escolher um time pra torcer nessa temporada da NBA.
III. As novas bandas de garagem
Falando em “bons tempos”, se você já passou dos 30 deve ter um monte de histórias da época de sua banda de garagem. Quem nunca sonhou em ser um rockstar e montou aquela bandinha com os amigos? No meu caso foi banda de pagode mesmo. Mas história pra contar também não falta.
Ainda deve ter muita gente nas garagens por aí. Mas imagino que a maioria já não deve estar só tentando fazer um som. Será que o progresso estragou aquele clima de tentar montar e tocar numa banda de garagem também? No meu tempo que era bom ou to virando mesmo um tiozão saudosista e isso ainda rola?
Porque é verdade que esse mercado também mudou muito e pra boa parte da garotada, o sonho de ser um rockstar ou um jogador de futebol já deve ter sido superado pelo sonho de ser o próximo grande youtuber ou podcaster.
No episódio do Boa Noite Internet sobre creators, o entrevistado Guga Mafra faz a analogia de que mexer com a criação de conteúdo hoje — fazer youtube, podcast, porque não uma newsletter — é uma espécie de nova banda de garagem. É a forma de você se expressar artisticamente e sonhar com a vida de um rockstar dos novos tempos.
E como 99,9% das bandas de garagem, provavelmente esse sonho não vai acontecer. Entre n motivos, pode ser porque você nasceu na hora e no lugar errado ou porque você não é bom o suficiente. E tudo bem. Minha banda de pagode era bem ruim mas ainda assim participamos de muitos eventos, ficamos bêbados de graça, colecionamos causos pra passar a umas duas gerações e principalmente, nos divertimos muito.
Quando foi que deixamos de começar projetos apenas com esse intuito? O de se divertir no fim de semana, o de aprender e interagir com algo novo, de apresentar uma boa performance, brincar com os amigos. Não precisamos nos dedicar só aquilo que vai nos dar uma medalha de outro olímpica.
IV. Você não vai ser o melhor. E nem precisa.
Assim como as estatísticas jogam contra as bandas de garagem, jogam também contra você. Somos milhões tentando se destacar e a chance de sermos o número um, ou até mesmo buscar um top 10, é muito baixa.
Claro que isso não é motivo para não buscar o topo se é isso que você quer. Mas ter uma perspectiva mais realista só ajuda. Sem falar que mesmo querendo o topo, você nem precisa ser o melhor. Pra continuar nas bandas de garagem e, mesmo sendo pagodeiro, sei que o Nirvana é considerada uma das melhores e mais influentes bandas da década de 90, mesmo com sua reconhecida simplória e baixa qualidade musical.
O talento ajuda bastante mas não é ele que vai definir se você vai chegar ao topo. Tem uma série de outros fatores que influencia na corrida por figurar na prateleira dos grandes.
Mas o que queria falar mesmo é que você não precisa sempre buscar essa prateleira quando começar algo novo.
Tá tudo bem não ser o melhor. Tá tudo bem até em não ser bom. Se você só quer aprender violão pra tirar aquela música que seu crush gosta, qual o problema? (Na verdade eu tenho muitos problemas com isso, ou toco violão como João Gilberto (R.I.P.), ou não tiro ele do armário). Mas por que não fazer algo simplesmente por querer fazer?
Transformamos nossos desejos internos e até pequenas vontades em análises extremamente racionais que nos levam a crer que tudo que fazemos deve trazer um retorno financeiro ou profissional.
É até estranho precisar falar isso mas tem uma série de coisas que só precisamos de um único bom motivo pra fazer: você querer fazer. Sem precisar esperar por nada em troca.
Não é porque os boletos não param de chegar que temos que fazer tudo pensando exclusivamente neles.
E ufa, ainda bem que hoje a empolgação pra torcer volta com o Flamengo em campo de novo. Difícil é não passar raiva quando o retorno pela torcida não vem. Ainda mais quando olho pra trás e lembro de Zico, Júnior e cia e sinto aquela saudade de um tempo que não cheguei a viver. Como diria Neymar, que dura anemoia. Pelo menos uso essa banda de garagem aqui pra reclamar e desabafar um pouco.
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Se esforçar para ser ótimo pode ser o que está te segurando no mesmo lugar. Está tudo bem em ser apenas bom.
Material muito bem elaborado mostrando como os produtos digitais são pensados para nos manipular negativamente (tornando nosso relacionamento com a tecnologia cada vez mais caracterizado por dependência, arrependimento e perda de controle), e como designers podem e devem pensar em produtos melhores para os usuários.
Evitar as telas agora é um símbolo de status. "A medida que mais telas aparecem na vida dos pobres, mais desaparecem da vida dos ricos. Quanto mais rico você é, mais gasta para se manter offscreen". As pessoas estão com medo das telas, o contato humano está mais caro e os ricos estão dispostos a pagar mais por uma vida com menos telefone, redes sociais e emails. Artigo que vai me fazer voltar a ele mais vezes.
Não deixe de ler até o final. "Essa história é profundamente pessoal, para nossa família e para nosso filho mais velho em particular. Mas é uma história que ele me deixa contar, porque é uma história que ele quer que as pessoas ouçam". De arrepiar
A última temporada de BM não teve a mesma repercussão das anteriores. Muito pelo fato de estar cada vez mais difícil saber se é a vida que imita a arte ou o contrário. Dizer "isso é muito Black Mirror" já não tem muito mais efeito num mundo onde a realidade parece superar a ficção.
Sempre procuro colocar mais links em português mas dessa vez me dei conta de que praticamente todos estão em inglês. Aproveito pra perguntar, a quantidade de conteúdo em inglês é um problema?
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Em uma época de agitação social sem precedentes, com questionamentos sobre várias esferas da sociedade, nenhum partido político de direita ou de esquerda consegue nos oferecer respostas. Esse jovem historiador, dos jovens pensadores mais aclamados da Europa, tenta nos apresentar um novo caminho. Tratando de assuntos como renda básica universal, semana de trabalho de 15h, livre migração entre países, R. Bregman mostra com muitos números e fontes que esses temas já estão sendo testados na prática com ótimos resultados. Um livro leve e divertido, que está em voga e que traça um roteiro para uma utopia revolucionária porém realizável.
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Para assistir - Série: Love, Death & Robots
Uma série bem diferente dos padrões que, acredito, estamos acostumados a acompanhar. Com episódios independentes e bem curtos (alguns com menos de 5 min), é uma série difícil de maratonar apesar disso. São várias histórias que envolvem futurismo, distopias e outras temáticas adultas, muitas delas com alta capacidade de gerar aquela sensação de "mind blowing", e outras capazes de injetar boas doses de puro entretenimento. No final sobra aquele sentimento de querer mais.
Muita coisa acontecendo por aqui, o tempo ficou escasso, mas ainda assim consegui na correria cumprir o prazo dessa edição. Satisfação lá no alto. Espero que gostem e que não achem muitos erros (mas se acharem favor me alertar).
Até a próxima.
~ Edgar
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