Conectando Pontos - CP#27
CP#27 - Se algo é bom para você, não significa que será bom para todos.
O clima é de eleições. Não temos como fugir disso. Seja online, nas mesas de bar, na copa dos escritórios ou qualquer outra rodinha, o assunto é quase sempre esse.
Navegar pelo oceano de fake news, pelos debates que acabam surgindo, pelo desejo de se posicionar e fazer valer o que acreditamos ser o cenário menos pior possível, tem sido cansativo. Nas últimas semanas sinto minha atenção ser sugada apenas para o assunto eleições.
Na minha posição de privilegiado, tenho pensado bastante sobre o que representa meu posicionamento e meu voto para toda comunidade ao meu redor, principalmente a parte menos privilegiada dela. E não falo através de um sentimento de culpa por ter condições boas de vida enquanto muita gente sofre, mas porque acredito que minhas ações, por menores que sejam, podem ser relevantes e ter um impacto na tentativa de criar pequenas utopias, como escreveu a escritora Aline Valek em sua última newsletter.
“Utopia precisa ser além de um cenário ideal, uma sociedade perfeita, um resultado que com muita sorte um dia alcançaremos. Precisamos construir pequenas utopias hoje, de forma contínua. Porque a grande utopia talvez nunca chegue, mas as pequenas utopias continuarão nos empurrando para a frente.”
Valek fala sobre utopias e distopias não serem lados opostos em disputa, os dois sempre existiram simultaneamente. As distopias andam na moda, são o aqui e agora. Mas a utopia também, vivemos na melhor época da humanidade.
Ainda segundo Valek, a verdadeira derrota é olhar apenas para o lado distópico da moeda e não enxergar as pequenas utopias, em especial aquelas que temos a capacidade e responsabilidade de criar, afinal, o mundo reage a nossas ações.
“A vida é política, não porque o mundo se importa com como você se sente, mas porque o mundo reage ao que você faz”
A citação acima foi retirada do livro Sobre a Tirania, (já recomendado aqui) onde o professor de Yale, Timothy Snyder, baseado na máxima de que a história ensina, apresenta suas 20 lições sobre o século XX para nos advertir dos males que acometeram regimes políticos no passado. Snyder finaliza o livro falando sobre a política da inevitabilidade e política da eternidade.
A primeira traz a ideia de que a história só podia se mover em direção a um futuro já conhecido, um futuro de crescente globalização e prosperidade.
A aceitação dessa inevitabilidade sufocou o debate político e nos levou a acreditar que não havia alternativa nenhuma à ordem básica das coisas, gerando passividade, já que nada realmente muda e que o caos que nos preocupa acabaria por ser absorvido por algum sistema autorregulador.
É uma política que nos coloca num estado de coma intelectual autoinduzido, que nos leva a não prestar atenção a história, assim como nos leva a não pensar em possíveis futuros alternativos.
A segunda ideia, a política da eternidade, tem em seu espírito uma nostalgia de momentos gloriosos que nunca aconteceram em épocas que, na verdade, foram desastrosas. Os populistas nacionais seriam políticos da eternidade.
Se política da inevitabilidade é como um coma, a política da eternidade é como a hipnose.
Segundo Snyder, “fitamos o vórtex giratório do mito cíclico até entrarmos em transe — e aí fazemos alguma coisa chocante, obedecendo às ordens de alguém.”
Se a política da inevitabilidade me passa a ideia de passividade, a política da eternidade traz uma ideia manipulatória sem qualquer compromisso com os fatos.
“Na política da eternidade, a sedução de um passado mítico nos impede de contemplar futuros possíveis. O hábito de concentrar-se na vitimização embota o impulso de autocorreção.”
Ainda segundo Snyder, o perigo que corremos hoje é passar da política da inevitabilidade para a política da eternidade, de uma espécie ingênua e imperfeita de república democrática para uma espécie confusa e cínica de oligarquia fascista, e escolher o caminho de menor resistência leva diretamente a isso.
Voltando aos pensamentos sobre a comunidade ao meu redor, entendo que se algo é bom para mim, não quer dizer que vai ser bom para o resto. Mas se algo é bom para a comunidade, é provável que seja bom para mim, mesmo que a princípio seja difícil enxergar algum benefício próprio diretamente. E esse entendimento me leva de novo a refletir sobre passividade, manipulação e resistência.
Muitas vezes agimos pensando apenas no benefício próprio sem medir as consequências de determinada ação para a comunidade. Ou optamos por não agir porque acreditamos que nossas ações não fazem diferença.
“A justiça não será servida enquanto aqueles que não forem afetados não estiverem tão irritados quanto os que foram.” ~ Benjamin Franklin
A passividade só ajuda a propagar a injustiça, diferente de se posicionar e resistir em favor da comunidade. Um voto pode parecer irrelevante mas faz sim diferença. Assim como sua voz e atitude são resistência aos que já podem considerar certa causa perdida. São escolhas de ação no lugar da passividade. São resistência contra a manipulação de evitar se pensar em futuros alternativos possíveis (e as pequenas utopias).
No meio desse turbilhão de informações e reflexões sobre a eleição, cada vez mais tenho certeza sobre a posição que escolhi tomar e sobre os futuros possíveis que tenho a responsabilidade de imaginar e ajudar a criar.
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Livro liberado gratuitamente pela editora Boitempo. Material imprescindível para entender o que está acontecendo no cenário político e os próximos passos que podemos tomar tanto para o segundo turno, quanto pensando em 2022. Clique na imagem para baixar gratuitamente o livro digital.
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